por Letícia Wierzchowski
As duas grandes casas que ocuparam durante oitenta anos o canto da pequena rua Fernando Gomes, na esquina com a Padre Chagas, foram construídas por encomenda de Sady Lopes Maisonnave no começo dos anos 40. Sady, que também era um morador do Moinhos de Vento, vivia ali pertinho com sua esposa e as filhas – a família morava na Praça Maurício Cardoso.
Sady Maisonnave não era homem de dar ponto sem nó – ele inauguraria a trajetória da família na área financeira, e sempre seria considerado um luminar pelos seus descendentes. Diante do crescente potencial da zona, Sady resolveu construir as casas, ambas geminadas; naquele tempo, era costume se erguerem casas geminadas porque aproveitava-se melhor o terreno e se ganhavam paredes, de modo que as residências encomendadas por Maisonnave nasceram assim – gêmeas, as duas, separadas entre si por uma parede de meação. Eram quatro, todas para fins de aluguel.
Embora tivessem sido feitas para locação, ainda assim, Sady Maisonnave caprichou na escolha do responsável pela obra, o arquiteto alemão Bruno Willy Paul.
Willy Paul emigrara de Berlim para o Brasil no começo do século 20; aqui, estudou com o alemão naturalizado brasileiro Theo Wiederspahn, arquiteto responsável pela construção do Hotel Majestic, entre várias outras obras que mudariam a capital. Willy Paul, assim como seu professor, também deixaria a sua assinatura na paisagem de Porto Alegre – foi ele quem construiu o Cinema Baltimore e o Seminário Concórdia, na Lucas de Oliveira.
Bruno Willy Paul ergueu as quatro casas de encomenda para Sady Maisonnave, e as residências, num ponto alto do bairro Moinhos de Vento, tinham vista para os belíssimos jardins da Hidráulica, que se esparravam com seus canteiros, seus caminhos, e sua fonte luminosa. As casas erguidas por Willy Paul acabaram também acomodando alguns membros da família Maisonnave por certo tempo; depois, como previsto, passaram a ser alugadas.
Essas duas grandes resistências da Fernando Gomes – seus números eram 58/62 e 78/86 – marcaram história na vida de muitos de nós, porto-alegrenses. Elas acolheram entre suas paredes dois restaurantes muito queridos das pessoas daqui. Durante anos, suas calçadas viviam cheias de risos, de brindes, de conversas. Os chopes, os vinhos, a agitação que ali reinava coroou-se sob o nome de “Calçada da Fama”, e ficou na memória da cidade. De um lado, havia os bares, os brindes, as mesas festivas de amigos; do outro, o silêncio murmurante da Hidráulica com seus tanques de água e seus serenos jardins. E o vento por ali, dando as suas voltas, espalhando pelas calçadas as flores dos jacarandás, o tapete colorido das nossas primaveras.
Um cantinho especial de Porto Alegre, em meio ao verde, localizado numa das partes mais nobres, no topo do bairro Moinhos de Vento, e que agora renasce num projeto arquitetônico que resgata o charme deste endereço, oferecendo amplas vistas que ultrapassam os vastos jardins da Hidráulica. E novas histórias nascerão ali, na conjunção da Fernando Gomes com a Padre Chagas, porque tudo, tudo se transforma nessa vida para seguir em frente..
E, como escreveu a polonesa Wislawa Szymborska, uma das minhas poetas preferidas, “cada começo é só continuação, e o livro dos eventos está sempre aberto pelo meio.”