por Letícia Wierzchowski
Quantas vezes cruzei a rua Barão de Santo Ângelo? Foram tantas as tardes que por ali passei; durante anos, praticava ioga num dos seus sobrados antigos; quando saía da aula, gostava de me sentar nos degraus da escada, e ficava ali olhando o arvoredo, as gentes que circulavam.
Uma rua é um pequeno país; eu ficava ali, espiando a vida da Barão de Santo Ângelo, vendo as nuvens no céu, os carros que passavam devagar. A Barão é uma rua serena, uma rua boa de olhar, e eu amo essa sua característica.
Sentada diante da escola de ioga, muitas vezes me perguntei quem tinha sido o homem que dera nome àquele pedacinho da cidade; quem fora, de fato, o Barão? Depois esta pergunta se perdia em meio às urgências do cotidiano.
Hoje, sei quem foi o Barão de Santo Ângelo.
Muito, muito antes de receber do Imperador D. Pedro II o título nobiliárquico, ele foi um menino que cresceu órfão de pai. Sua mãe, dona Francisca Antônia Viana, contraiu novas bodas, e logrou dar excelente educação ao filho, batizado Manuel José de Araújo – nome que ele levou por pouco tempo.
Ainda bem jovem, o filho de dona Francisca mudou-se do interior para a capital, queria muito estudar desenho; e mudou também o seu nome para Manuel de Araújo Porto-Alegre, em homenagem à cidade onde se reconheceu artista.
Anos mais tarde, foi para o Rio de Janeiro e lá estudou Belas Artes – era o aluno predileto do pintor francês Jean-Baptiste Debret. É bonito saber que esse artista, ainda um guri, deixou a distante Rio Pardo para se estabelecer na Corte, onde foi aluno e depois deu aulas, transformando o ensino de arte da época como professor da Academia de Belas-Artes. Manuel também foi nomeado pintor oficial da Câmara Imperial no ano de 1840. Do Rio de Janeiro, ele viajou pelo mundo; primeiro como artista e discípulo de Debret, pintando e escrevendo; depois como diplomata: foi cônsul do Brasil em Berlim e Dresden. Em 1867, assumiu o cargo de cônsul-geral do Brasil em Lisboa.
Escritor, pintor, professor, jornalista, ensaísta, arquiteto, diplomata e teatrólogo, não foi só um homem do seu tempo. Muito, mas muito mais do que isso: Manuel de Araújo Porto-Alegre fez o seu tempo.