General Manuel Luiz Osorio, 1866. Brás Inácio de Vasconcelos. Album da Guerra do Paraguay. Acervo Biblioteca Nacional.
MARQUÊS 650
Osório, o Marquês do Herval.
por Letícia Wierzchowski

Desde os cueiros, Manuel Luís Osório já era um grande ginete, laçava bem e pulava com elegância no lombo do petiço. Seu pai, homem do pampa e das fileiras do Exército Imperial, botou olho no filho, sabia que o guri ia ter sangue nas ventas. Manuel Luís Osório gostava das histórias de guerra do pai e da sua farda cheia de galões. Ainda imberbe, começou a segui-lo no front, aprendendo com ele os conceitos rudimentares da arte da guerra. Um dia, o pai lhe disse, De agora em diante, vais te chamar apenas Osório, começa a honrar o teu nome.

Osório era um garoto estudioso, excelente aluno. Mas, por força das circunstâncias, cria de fronteira que era, logo se viu na lida de soldado. Não existe profissão mais gloriosa, disse-lhe o pai. Aqui onde vivemos, não há outro futuro, serás um guerreiro. No sul, só tem caminho quem nasce rico ou entra no exército.

Selou-se o destino de Osório, o front. Em 1825, com 17 anos, ele foi para a Guerra da Cisplatina. Na Batalha de Sarandi, Osório destacou-se bravamente, e foi o único oficial do seu esquadrão que voltou vivo para casa, não antes de salvar a vida do seu comandante. Nascia ali o mito do rapaz façanhudo – desta guerra, Osório viria coberto de glórias, mas sem um pingo de vaidade.

Foi em Rio Pardo, na volta da Cisplatina, que Osório conheceu o amor. E o amor tinha um nome – Anna. Vê-la e amá-la foi coisa de um minuto, ele diria sempre. A paixão foi forte e recíproca, Anna também encantou-se com o galante soldado, herói de folhetim – alto, forte, belo, valente e famoso. Além disso, diziam que era poeta de mão cheia.

Mas a violência de tal amor assustou os pais da moça. Pediram ao padrinho da menina, Marechal Sebastião Barreto, que separasse os dois. Em poucos dias, o jovem Osório recebeu ordens de assumir um agrupamento de fronteira lá nas margens do Jaguarão. Anna, pobrezita, casou-se com outro, obrigada pelos pais. Algum tempo depois destas trágicas bodas, Osório recebeu a notícia da sua morte. Anna fenecera de tristeza, com seu nome escrito a tinta no seio do lado do coração.

Essa desdita mergulhou o jovem Osório num desencanto abissal e o afastou do conservadorismo que arruinara seu grande amor. Filiou-se ao partido Liberal, mas foi a convivência com o General Antônio de Souza Netto, ao lado de quem Osório acabou lutando na Revolução Farroupilha, que o afastaria de vez da tristeza.

Osório voltava ao centro dos acontecimentos por conta da simpatia pela causa farroupilha. Ele lutou furiosamente ao lado dos rebeldes, mas só até a proclamação da República Rio- grandense. Quando o movimento ganhou feição separatista, Osório reintegrou-se ao Exército Imperial, era fiel a D. Pedro. Tornou-se capitão em 1838, major em 1944. Auxiliou Caxias na feitura da paz de Poncho Verde quando a Guerra dos Farrapos finalmente chegou ao seu desfecho. Finda a revolução, Dom Pedro II, ainda muito jovem, decidiu visitar o sul com o fito de consolidar a paz. Caxias confiou a Osório esta delicada missão, pois ele era um dos poucos comandantes que tinha trânsito nos dois lados da guerra.

Batalha do Avaí (detalhe), 1872/1877. Pedro Américo. Acervo Museu Nacional de Belas Artes.
O reconhecimento de Humaitá (detalhe), 1874. R Pontremoli.
Catálogo da Exposição de História do Brasil. Acervo Biblioteca Nacional.

Osório casou-se em 1835 com Francisca Fagundes de Oliveira. A primeira filha do casal morreu quando seu pai estava nas pelejas farroupilhas; mas, em 1948, nasceria Fernando Luís, que viria a ser diplomata. Foi sua a pena que escreveu, Minha mãe, Francisca, era um bálsamo consolador na vida do meu pai.

Francisca era, também, uma benfeitora. Com seus fundos, financiaria a construção de hospitais e igrejas na região de Bagé. Durante a Guerra do Paraguai, Francisca, com plena aprovação do marido – que lutava nos charcos paraguaios contra o ditador Solano López – acolheria nas terras da família uma larga quantidade de refugiados paraguaios que buscavam abrigo no Brasil.

Quando a Guerra do Paraguai eclodiu, em 1864, Osório era o militar de maior prestígio no Prata. Tinha nascido para a guerra, embora fosse homem de paz – fora promovido a coronel no campo de batalha, depois a brigadeiro graduado, então incumbido de organizar uma perigosa missão contra os paraguaios entre os ervais dos rios Pindaí e Sebolati – vem daí o título nobiliárquico que ganhou anos mais tarde, Marquês do Herval

Osório recebeu o comando do 1º Corpo do Exército Imperial. Na famosa Batalha de Tuiuti, colocou-se à frente da sua tropa, dando exemplo da sua antológica bravura. Em 25 de julho de 1867, ocupou a Fortaleza de Humaitá e substituiu a bandeira paraguaia pela bandeira brasileira, instalando ali a sede do 3º Corpo do Exército.

Ele participaria ainda das batalhas de Itororó e Avaí. Nesta última, ao tomar toda a posição de artilharia inimiga, foi alvejado na face por um inimigo de tocaia, fraturando o maxilar inferior esquerdo. Incansável na peleja, Osório escondeu o ferimento com um poncho, e continuou a estimular seus homens à luta até que a hemorragia o obrigasse a parar. Na ocasião disse, Coragem, camaradas! Acabem com este resto! Sua cabeça vazia foi mantida à frente das tropas depois que abandonou o front, como um estímulo aos seus subordinados. Em seu brasão nobiliárquico, há três estrelas douradas que representam os ferimentos sofridos no rosto durante a cruenta Batalha de Avaí.

Ao abandonar os campos paraguaios por conta do seu estado de saúde, foi que Osório soube da morte de Francisca, sua esposa. Outra vez, choraria amargas lágrimas de amor.

Mas sua carreira seguiu a todo vento. Com a ascensão do Partido Liberal ao poder, Osório foi nomeado Ministro da Guerra em 1878. Permaneceu no cargo até a sua morte, no dia 4 de outubro de 1879, no Rio de Janeiro. O grande guerreiro de coração pacífico tinha 71 anos de idade. No dia do seu enterro, o Imperador D. Pedro II rompeu o protocolo e segurou uma das alças do caixão do nobre e corajoso gaúcho que lutara tantos combates, e que foi enterrado com honras, admirado por muitos.

Inauguração da estátua do General Osório, 1894. Acervo Biblioteca Nacional

Não foi seu único enterro. Anos mais tarde, o corpo de Osório seria transferido para a igreja de Santa Cruz dos Militares, embora fosse maçom. Depois, seus restos mortais ocuparam a cripta do monumento com sua estátua equestre em frente ao Paço Imperial, no Rio de Janeiro. Em 1993, Osório finalmente foi transferido para sua terra natal, no parque que leva seu nome, a poucos quilômetros da costa de Tramandaí, onde corria atrás das ondas ainda guri. Um grande homem. Guiou milhares de corações e, na eternidade, virou rua, vereda, caminho

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