Projeto dos arquitetos Eduardo e Oscar De Camillis para a residência de Carlos Strassburger Filho, na Rua Marquês do Herval, 650. Acervo Arquivo Histórico de Porto Alegre
MARQUÊS 650
Uma casa feliz.
por Letícia Wierzchowski

Era uma vez uma casa. Como todas as casas que também são ninho, esta nasceu de um amor.

Era uma vez um homem de nome Carlos Strassburger Filho. Seu pai emigrara da Província do Reno no ano de 1857, mas Carlos nasceria na pequena cidade de Dois Irmãos, distrito de São Leopoldo.

Quando ficou adulto e se decidiu a contrair matrimônio com Elvira Otília, foi que Carlos começou a sonhar com a Casa Strassburger. Ele encomendou aos irmãos Eduardo e Oscar De Camillis um projeto para a Rua Marquês do Herval, número 650; queria um lugar para enraizar sua família. Em 1928, ergueu-se a casa que abrigaria os filhos do casal Strassburger e, um dia, também os seus netos.

Carlos e Elvira tiveram três rebentos: Ethel, Edith e Cláudio Ênio Strassburger – que foi homem de projeção nos nossos pagos, industrial, político e vice-governador durante o governo de Jair Soares. As meninas cresceram entre livros e plantas na casa sonhada pelos pais, estudaram e seguiram caminhos mais discretos que o irmão, mas não menos belos.

A história desta casa feliz começou a ganhar tintas pelas hábeis mãos de dona Elvira, mulher elegante que amava a natureza e a simplicidade. Dona Elvira criaria suas meninas, Ethel e Edith, com um apurado olhar humanitário naquela casa cercada de jardins floridos, perfumada de flores e acalentada pelo passaredo que fazia pouso nas árvores do terreno. A família Strassburger vivia assim, regida pela natureza e pela arte – dona Elvira tocava um piano escuro, de parede, que viera desde a Áustria até o sul do Brasil. Das teclas deste piano, nascia a trilha sonora dos Strassburger.

Projeto dos arquitetos Eduardo e Oscar De Camillis para a residência de Carlos Strassburger Filho,
na Rua Marquês do Herval, 650. Acervo Arquivo Histórico de Porto Alegre.

Ethel Strassburger, humanista como a mãe, formou-se em Inglês e Francês, e lecionou durante anos na Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Ethel teve três filhos e criou-os na grande casa da Marquês do Herval. Walter, Carla e Cristina cresceriam naqueles jardins – Cristina, a caçula, aprenderia a tocar no piano da avó Elvira, piano que seria sua única bagagem nesta vida.

Cristina Strassburger estava em Porto Alegre quando calhou que eu começasse a escrever este texto. De visita à sua terra, fora surpreendida pela grande enchente de maio, e aqui ela ficou, trabalhando num abrigo no litoral por várias semanas, cuidando dos atingidos pelas cheias com o carinho que aprendera com sua mãe, com sua tia Edith, e com a avó Elvira.

“Nossa casa nos nutriu de natureza, e minha mãe acolhia as pessoas de forma muito íntima. Ela sempre ajudou todos que precisavam, sem distinguir ninguém. Naquela casa amada da Rua Marquês do Herval, foi que eu aprendi a viver num mundo diferente: lá, pensávamos na natureza e cuidávamos dela. Fazíamos suco com as uvas do parreiral; com as frutas do pomar, preparávamos bolos e geleias, que servíamos às visitas e aos vizinhos do bairro.”

A casa era cercada de flores, e Ethel amava especialmente as roseiras. Na mesa do jardim, quando recebia convivas, Ethel espalhava guirlandas de flores e arranjos de mesa que ela mesma confeccionava. O jardim da casa era habitado por patos e por gatos que as crianças resgatavam das ruas.

O epítome da Casa Strassburger sempre foi a natureza. E Ethel criou os seus três filhos para amarem o que a natureza lhes dava, cuidando dos animais e das plantas. Viviam em simplicidade, numa suave conexão com o natural.

Cristina herdou de dona Elvira o piano negro, e recorda que as mulheres da casa passavam muitas tardes na sala de janelas abertas para o jardim, fazendo música. “Ali ficávamos por horas. E sempre vinha um canarinho à janela, como se quisesse ouvir-nos a melodia”, ela relembra. O pássaro fez da Casa Strassburger a sua casa também – ali viveu por muito tempo, sem nunca ficar em gaiola, solto no enorme jardim com seu pomar de ameixeiras, abacateiros, bananeiras e pitangueiras.

Assim, era uma vez

Era uma vez uma casa feliz, repleta de música, generosidade e comunhão com a natureza. Um pequeno oásis no bairro Moinhos de Vento – esta é a história da Casa Strassburger, e quem quiser que conte outra

FALE CONOSCO